A junça (Cyperus esculentus): um património do Corvo

O cultivo da junça remonta a épocas bastante longínquas da história da humanidade e os registos surgem um pouco por todo o mundo, por entre túmulos egípcios das primeiras dinastias (Serrallach, 1927), autores persas e árabes e também chineses (Dragendorff, 1898).
Terá chegado à Península Ibérica pela mão dos árabes durante a Idade Média e daí chegou aos Açores por ação dos seus colonos.

A partir do século XVII, até meados do século XIX, a população do Corvo viveu ostracizada pela elevada carga de impostos anuais pagos ao donatário e mais tarde, extinguidas as donatarias, à Coroa.
40 moios de trigo, 800 varas de pano de lã e 80 mil réis em dinheiro, eram o contributo dos corvinos que, pelas difíceis condições em que viviam, chegaram a suplicar ao Rei que os deixassem partir para o Brasil onde pudessem trabalhar e viver melhor.
Pago o imposto de trigo, pouco mais restava do que as sementes para o próximo ano, levando a que tivessem de encontrar uma alternativa, as sementes de junça com que também alimentavam os porcos.
Em 1831, um grupo de corvinos, sabendo da presença de D. Pedro em Angra do Heroísmo, decidiram ir até lá mostrar-lhe o pão negro que comiam, o pão de junça, apelando à sua intervenção. Mouzinho da Silveira, então ministro do reino, comovido com a agrura do povo corvino ordenou a redução dos impostos; em Maio de 1832 o imposto em dinheiro foi abolido, os rebanhos distribuídos pelas pessoas e a quantidade de trigo pago reduzido a metade.
Este evento marca uma mudança profunda nas condições e vida dos corvinos e leva a que, gradualmente, a junça vá sendo substituída pelo trigo e pelo milho. O seu cultivo fez-se até às primeiras décadas do século XX, fazendo ainda parte, por isso, das memórias dos mais velhos.

Para garantir a sua preservação prolongada, os corvinos construíram um grande número de covas de junça, silos subterrâneos em forma de garrafão, selados com uma laje de pedra e terra, onde armazenavam a junça.
Hoje em dia conhecem-se alguns exemplares mas ainda muitos estarão por redescobrir.

  • Ruy, J. 2018. A Ilha do Corvo que Venceu os Piratas. Âncora Editora.