Fechadura de Madeira
Barreta de Lã
Junça – Cyperus esculentus
Moinho do Caldeirão
Património Cultural
Património Material Imóvel
Atafona
As atafonas foram instrumentos que os povoadores aplicaram para moer alguns cereais, nomeadamente milho, trigo, centeio, junça, etc., uma vez que não havia condições para os moinhos a vento e de água. A força motriz seria um animal.
Cada atafona era comum a um grupo de pessoas, quase sempre, moradores das proximidades, semelhante à composição das esquadras do dia da lã e a chave estava, sempre, em casa do mesmo “sócio”.
O engenho tinha duas pedras: a debaixo era fixa e no centro tinha um buraco por onde passava a parte superior do eixo cilíndrico que fazia rodar a roda de cima quando a atafona funcionava. A pedra de cima para baixar ou levantar mais, conforme era para moer mais grado ou mais fino, era levantada e segura com uma cunha de madeira. Havia ainda uma moega, uma caixa de madeira, onde se colocava o milho, ou outro cereal, e de onde ia caindo o cereal conforme a pessoa desejava.
Caixa
Raúl Brandão, na sua obra “Ilhas Desconhecidas”, fala-nos de uma caixa com a seguinte descrição:
“[As mulheres] dispõem da chave da caixa […] Ora isto de ter a chave da caixa é uma coisa muito séria na lavoura. A caixa de limpeza, sempre de uma madeira dura para lhe não entrar o rato, e no Corvo de cedro petrificado que se encontra no fundo da terra, ou de tabuões de naufrágio que dão à costa, é o móvel onde se guardam os melhores panos, as moedas que se juntam tirando-o à boca, as coisas de maior préstimo e valia e as recordações dos mortos. A caixa herda-se. E, puída de tantas mãos, é quase sagrada.”
Calçada do Maranhão
Ao longo do tempo os corvinos desenvolveram uma técnica que lhes permitiu, com os recursos disponíveis, calcetar as ruas da Vila. Hoje sabemos que a calçada, que ainda é possível encontrar no Cimo do Maranhão, foi o resultado de várias intervenções levadas a cabo ao longo dos anos.
As primeiras ruas em terra batida foram dando lugar a um pavimento que permitiu melhores condições de salubridade e circulação.
A evolução evidenciada no processo de calcetamento demonstra que o património é algo vivo, algo que se transforma ao longo dos tempos por ação da comunidade que o possui e adapta em função das suas necessidades.
Fontes e Fontanários
Construídos nos séculos XVIII e XIX em alvenaria de pedra rebocada, numa época em que não havia água canalizada, as fontes tornaram-se fundamentais no quotidiano dos corvinos. Era aqui que se ia buscar a água para consumo doméstico e se lavava a roupa.
Os rapazes ainda solteiros, que a propósito de irem ao bebedouro dar de beber aos seus animais, aproveitavam a oportunidade para catrapiscar esta ou aquela rapariga que mais lhes agradava. Muitos casamentos começaram assim…
Este espaço acabava também por ser um local de socialização entre as mulheres.
Na vila do Corvo conhecem-se três fontes: uma no local da Fonte de Cima; uma na Rua das Pedras e outra no Caminho da Grota. Para além destas, segundo os historiadores, o primeiro chafariz foi construído no ano de 1836, no cimo da antiga Rua da Fonte.
Chiqueiros e Currais
“Os currais são terrenos de dimensões reduzidas, delimitados e protegidos por paredes de pedra seca, onde se abriam portais tapados com pedras. Na espessura das paredes, viradas a nascente, faziam-se cavidades (calçadouros, calçadas)[…].
No interior dos currais, normalmente a um canto, construíam-se abrigos de pseudocúpula em pedra seca (chiqueiros) para tapar os bezerros e outras estruturas idênticas, mas de menor dimensão, onde se abrigavam cabaças de leite. […] Quando chegava a altura de parir, as vacas eram levadas para os currais ou para os palheiros da Vila sendo, mais tarde, mudadas com as crias para os currais, onde ficariam as primeiras semanas.”
“As vacas circulavam entre o espaço exterior fechado (currais – noite) e o exterior aberto (relvas – dia), enquanto os bezerros circulavam entre o espaço exterior fechado (currais – dia) e o espaço interior (chiqueiro – noite).”
- Inventário do Património Imóvel dos Açores: Vila Nova do Corvo. [Angra do Heroísmo]: Instituto Açoriano de Cultura Direção Regional da Cultura, 2001.
Eiras
As eiras são construções de teor agrícola que cumprem funções de secagem e debulha dos cereais.
Hoje em dia ainda é possível observar mais de duas dezenas destes exemplares. A existência de tantas eiras na Vila do Corvo dever-se-á à necessidade do pagamento do imposto de 40 moios de trigo anuais e de produzir alimento. A disponibilidade de rocha e do calhau rolado facilitou a construção de tão importante recurso.
Na maioria dos casos as eiras tinham mais do que um proprietário e quem não possuía eiras solicitava o seu empréstimo sem pagamento associado.
Moinho de Vento
Os moinhos de vento do Corvo, únicos nos Açores, são moinhos fixos de pedra ou “de torre”, na variante designada por continental sul, por semelhanças aos que existem naquela zona do Continente português.
De dimensões mais reduzidas do que os seus congéneres, estes moinhos foram construídos de acordo com as necessidades da comunidade e tendo em conta as condicionantes impostas pelo próprio território.
A sua construção é feita sobre uma espécie de terraço circular, designado localmente por archete do moinho, com cerca de 15 metros de diâmetro e 1,5 metros de altura; o corpo do moinho, em alvenaria de pedra, rebocada ou não, apresenta uma planta circular de forma troncocónica, medindo, de uma forma geral, 4 metros de altura e 3 metros de diâmetro.
A cobertura, localmente designada de carapuça, tem uma forma cónica com pouca inclinação, assenta a meio da espessura da parede e é móvel, permitindo orientar o mastro e as quatro velas triangulares, na direção do vento favorável à moagem; o cata-vento em forma de galo, no topo da carapuça, ajudava a determinar a melhor posição. O mastro, com 8 faces, era feito a partir de uma única peça de madeira, medindo cerca de 7 metros de comprimento.
Dois lances de escadas dão acesso ao interior do moinho, sendo que o primeiro nos coloca no archete e o segundo ao nível da porta, único vão no corpo do moinho.
Moagens
No Corvo existiram duas moagens que funcionaram até aos anos oitenta do século passado. Em 1951 chegaram à Ilha, pela mão do padre Leonete Vieira do Rego, um gerador para produção de eletricidade e uma debulhadora mecânica, ditando o fim das atafonas e dos moinhos de vento no Corvo.
Palheiros
Estruturas que tinham como função abrigar o gado, principalmente as vacas quando estão prestes a parir, bem como os vitelos. Funcionavam ainda para guardar alfaias agrícolas e alimento para o gado. Encontram-se sempre dentro da delimitação dos terrenos, junto à estrada ou caminho de acesso ao mesmo.
Igreja da Matriz
A construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Milagres foi concluída em 1795.
O primeiro templo erguido na ilha consistiu numa pequena ermida junto ao mar, sob a invocação de uma imagem a Nossa Senhora do Rosário, que transitou para a nova igreja, com o nome de Nossa Senhora dos Milagres.
A atual edificação foi mandada construir em 1675, aquando da Visita Pastoral, mas só 20 anos depois, em 1695, se inciou a construção. A sua conclusão terá acontecido em 1795, um século mais tarde.
A 4 de novembro de 1932 deflagrou no templo um violento incêndio que deixou apenas as paredes de pé. As perdas foram grandes, no entanto foi possível salvar a imagem da padroeira. As obras de reconstrução tiveram início em 1933. Ter-se-á perdido neste incêndio o breviário da Igreja, onde os párocos da ilha terão registado, ao longo dos tempos, os acontecimentos mais marcantes da comunidade.
“Igreja de nave única com sacristia e baptistério no lado da epístola e púlpito no lado do evangelho. Ao fundo da nave existem dois pequenos altares dedicados a Nossa Senhora do Carmo e ao Sagrado Coração de Jesus.
[…]
Toda a construção é em alvenaria de pedra rebocada e pintada de branco, com exceção do soco, dos cunhais, da cornija e das molduras dos vãos, que são pintados de cinzento. […] O edifício está ligeiramente elevado em relação à rua e inserido numa espécie de adro cujo pavimento é em calhau rolado delimitado por faixas de pedra aparelhada.”
- Inventário do Património Imóvel dos Açores: Vila Nova do Corvo. [Angra do Heroísmo]: Instituto Açoriano de Cultura Direção Regional da Cultura, 2001.
Património Material Móvel
Monóculo do Pirata Almeidinha
António Lacerda Bulcão relata que por volta do século XIX cruzava os mares dos Açores um notável brigue equipado com 9 canhões de cada lado e que diziam ser pirata. A sua tripulação de 160 homens era comandada por Almeidinha que diziam ser um homem de presença agradável, valente e generoso, o que não deixa de ser contrário à imagem que nos vem à cabeça quando pensamos num pirata.
Aportava com regularidade na ilha do Corvo para se abastecer do necessário como farinha, aves, carne e água, pagando generosamente por tudo o que levava. Quando vinha a terra passava longas horas com o Padre Queixudo ( José Inácio Lopes) por quem tinha grande amizade e respeito.
A situação desenrolou-se de tal forma que o capitão-general dos Açores, Francisco António de Araújo Azevedo, enviou ordens para que não se abastecesse o pirata mas, como não providenciou meios de defesa contra a artilharia do brigue pirata, as ordens nunca foram cumpridas. Assim sendo, o padre vigário foi intimado para comparecer em Angra do Heroísmo e responder pelo que estava a acontecer. Tudo isto se sucedeu na ausência do pirata pelo que, quando regressou à ilha e teve conhecimento do que tinha acontecido ao amigo por sua causa, entregou ao juiz de paz (cargo desempenhado na altura por Manuel Tomás de Avelar) um monóculo e 7500 peças de ouro para que fossem entregues ao Padre Queixudo como paga pelos prejuízos causados.
De regresso à ilha o vigário utilizou as peças de ouro para mandar comprar, no Brasil, dois cordões de ouro e outras joias para adornar a imagem de Nossa Senhora dos Milagres, padroeira da ilha; o monóculo foi passando de mão em mão tendo estado na posse de José Maria Pimentel, até ao seu falecimento, que o recebeu de Edmundo Rocha.
Atualmente pertence a Luís Pimentel Nunes, conforme consta da informação junto ao óculo, na Casa do Tempo.
Nossa Senhora dos Milagres
A Igreja Matriz do Corvo tem como padroeira Nossa Senhora dos Milagres. A imagem tem origem flamenga e destaca-se pelo seu talhe e magníficos adornos com que foi dotada ao longo do tempo: coroa e rosário de ouro, capas e mantos de seda recamados de ouro. Um aspeto incomum desta imagem é o da Santa segurar o menino com a mão direita e não com a esquerda (como é comum).
Segundo uma das diversas lendas do Corvo, terá sido encontrado um pequeno caixote com uma imagem de Nossa Senhora dos Milagres, na altura designada Nossa Senhora do Rosário, enquanto andava à procura de lenha e coisas trazidas pelo mar. No interior da caixa encontrava-se uma inscrição que expressava o desejo da Santa: “no lugar aonde eu sair, façam me uma ermida”; e assim fizeram os Corvinos, que imediatamente lhe ficaram devotos.
No dia 23 de junho de 1632, já Nossa Senhora do Rosário vivia entre os Corvinos, dá-se um dos momentos mais dramáticos mas também mais heroicos da história da ilha.
Reza a lenda de que os Corvinos terão tido a ajuda da Santa faca a um ataque de piratas, que terá durado 11 horas; estando os Corvinos em aflição com a violência do ataque suplicaram a Nossa Senhora que os salvasse, tendo o vigário trazido a Santa nos seus braços, para o cimo da encosta. Ao passar de um lado para o outro, a Santa desviava todos os tiros mandados pelos piratas, devolvendo-os multiplicados, para os barcos dos invasores, pondo-os em fuga.
Os Corvinos atribuíram o seu sucesso à intervenção miraculosa da Santa e decidiram mudar o nome de Nossa Senhora do Rosário para Nossa Senhora dos Milagres. Tanto a veneram que é o seu andor que abre as procissões.
Moinho de Mão
Os moinhos de mão – moinhos tidos como dos mais primitivos – são compostos por duas peças talhadas em basalto: uma mó com um olho sobre o eixo central por onde se deita o cereal e com um manípulo excêntrico para imprimir o movimento rotativo (a mó andadeira), e uma base fixa que pode ter, como no caso deste exemplar, rebordo alto.
Subsistiram nas ilhas até épocas muito recentes com a finalidade, também, de moer o “carolo” destinado à preparação das papas grossas ou gradas. Este instrumento era utilizado, maioritariamente pelas mulheres e crianças, na unidade doméstica, para triturar pequenas quantidades de milho.
Vasilha
Boião em cerâmica, com duas pegas e com tampa. Objeto usado para armazenar provisões de banha e conservar enchidos de porco.
“Logo no dia seguinte, começavam a fritar o toucinho mais grosso e os véus da banha, para extrair toda a graxa possível e, por vezes, um só dia não chegava, ainda passava para o dia seguinte. Terminado o toucinho, eram fritos o entalo e os torresmos (…). À medida que a parte de fritar, nomeadamente o entalo e o torresmo, iam arrefecendo era guardada em vasilhas vidradas, depois cobertas com a graxa só morna para ocupar todos os espaços (…), pela panela toda e ficarem completamente cobertas. Não deixava entrar o ar, aguentava todo o ano sem que nada estragasse.”
Fraga, Lino de Freitas. O dia da lã: histórias e vivências corvinas: 1875-1975. Corvo: Câmara Municipal, 2017.259 p.
Tear
Dispositivo usado para tecer tecidos e tapeçarias. O objetivo básico de qualquer tear é manter os fios da urdidura sob tensão para facilitar o entrelaçamento dos fios da trama. A forma precisa do tear e sua mecânica podem variar, mas a função básica é a mesma.
Local onde se coloca a “urdidura” ou “teia”, e um complexo conjunto de elementos necessários à confecção dos tecidos, mantas ou tapetes.
A tecelgem consiste numa arte milenar comum a quase todas as culturas, a tecelagem nasceu no contexto da sedentarização e da necessidade de cobrir o corpo, assumindo desde cedo um carácter simbólico, social e económico para além do utilitário.
Mechim
O Mechim, palavra apropriada do inglês “machine”, ou roda de fiar é um mecanismo constituído por uma roda, acionado por um pedal, incorporado numa estrutura retangular assente em quatro pés, que em conjunto com o fuso tinha como função produzir fios de origem vegetal, como a lã.
A tarefa consistia na torsão e união das fibras de forma a produzir fios longos e resistentes depois empregues na tecelagem. Nesta operação, a mulher, com uma das mãos, torce a fibra entre os dedos, e com a outra pega no fuso, fazendo-o girar de forma a que a fibra se transforme em fio e fique envolto naquele.
Caneca de Água
Recipiente em madeira (em aduelas), unido por aros de ferro, terminado em bico.
Antigamente destinada ao transporte da água desde a fonte até casa. Este tipo de caneca também era usado para conservar a água das lanchas de pesca, ficando quase sempre debaixo do leito da proa ou da popa para estar fresca, protegida do sol.
Queijo Artesanal
“O leite quando chegava a casa ao fim da tarde era colocado dentro de uma pana ou selha de cedro […] só depois ponham a quantidade de coalho apropriada, de acordo com a quantidade de litros de leite que tinham para coalhar.
[…]
Depois de coalhado, era colocado dentro de uma francela, em cima de um pano branco fino que fazia de coador e iam espremendo, até extrair o soro o mais possível e ficar apenas a massa. Juntavam uma determinada quantidade de sal, de acordo com a quantidade da massa que era muito remexido para ficar bem dissolvido por toda a massa e esta era colocada dentro de uma forma de latão, onde a massa era bem acalcada e bem apertada, depois, cobria-se a parte de cima, bem coberta com sal.
[…][Passados dois dias] tiravam o queijo da forma, era lavado e era embrulhado numa toalha branca, bem apertado, para manter a sua forma.
Os queijos eram lavados todos os dias, bem enxutos e, de novo, embrulhados em outras toalhas brancas lavadas, isto é o queijo se aguentar sem perder a sua forma e começar a amarelecer.
Depois as senhoras tiravam uma pequena porção da massa do queijo do próprio dia e, quando acabavam de lavar e enxugar os outros queijos, ponham um pouco dessa massa nas mãos e passava, engraxavam todos, queijo a queijo, a faceá-los para que fosse endurecendo […]”
Fraga, Lino de Freitas. O dia da lã: histórias e vivências corvinas: 1875-1975. Corvo: Câmara Municipal, 2017.259 p.
Património Imaterial
Ciclo da Lã
Desconhece-se a data em que o gado ovino foi introduzido na ilha, contudo remonta ao período do povoamento, principalmente para o fornecimento da lã, matéria prima para o fabrico de todo o tipo de vestuário, roupas de cama e outras, para além do pagamento do tributo de “oitenta mil reis em dinheiro pertencente às lãs”.
Os ovinos ocuparam as pastagens das zonas mais altas e menos produtivas da ilha – o Baldio -, uma vez que resistiam naturalmente aos rigores do clima.
Chegaram a existir entre 5.000 a 6.000 ovelhas, rebanho este repartido por entre todos os corvinos. Para melhor fazer a gestão desse rebanho, a comunidade encontrou um método de marcação dos animais, através de cortes nas orelhas, cujo formato ou conjugação ficava com registo feito em livro próprio – o Livro das Marcas – na Câmara Municipal.
O Dia da Lã repartia-se em dois momentos – em maio para a tosquia e em setembro para a marcação das crias e fêmeas, sempre no curral dos Lagos.
Em maio ocorria o ajuntamento de todo o gado ovino que se destinava à tosquia dos animais, a qual servia para fazer todo o tipo de agasalhos para o Inverno. Os homens reuniam ao Outeiro, onde eram formadas as “esquadras”, grupos de 10 a 12 homens, liderados pelo “cabo da esquadra” que teriam como função arrebanhar as ovelhas.
Reunidas as ovelhas no Curral dos Lagos, estas eram separadas por proprietário e amarradas por “cobras” – cordas fixadas ao solo por estacas. À medida em que eram tosquiadas, eram soltas e voltavam para o baldio.
(“Falar do dia da lã é lembrar uma tradição Corvina que se extinguiu na segunda metade do séc. XX, mais concretamente em 1969, mas que ainda prevalece na lembrança de alguns corvinos. “Era dia de muito trabalho mas, também, um grande dia festivo e que era, só, o dia de maior ajuntamento popular de todo o ano na ilha do Corvo.”).
Em setembro, os homens organizavam-se novamente para arrebanhar as fêmeas, que dariam à luz entretanto. A juntar à marca nas orelhas já existente, era usado um pedaço de tecido pintado com um certo padrão que identificava o seu proprietário e que permitia a identificação das ovelhas à distância. Assim, depois de nascidos os cordeiros, o seu proprietário poderia lá ir fazer as marcas nas orelhas das crias.
Terminada a tosquia, seguia-se o tratamento da lã até chegar ao tear e às mantas, cobertores, camisotes, garotas, camisoulas, camurças, calças, barretas e roupa interior. Invertiam-se os papéis de protagonismo, agora eram as mulheres a ocupar o papel preponderante nos vários processos Seguia-se então lavar, tingir, abrir, pentear, cardar, fiar, dobar, urdir e tecer.
Culto do Espírito Santo
A introdução do culto do Espírito Santo no Arquipélago foi realizada pelos primeiros povoadores, no séc. XV. A sua propagação está estritamente relacionada com a ação dos padres Franciscanos que chegaram aos Açores. A realidade de cada ilha, de cada comunidade, marca profundamente as manifestações associadas a estas festividades e, por essa razão, podem observar-se variações ao percorrermos as ilhas.
A cada domingo, as insígnias são levadas em procissão até à próxima casa, transportadas por pessoas convidadas pelos donos da casa onde estiveram naquela semana. As pessoas que recebem o Espírito Santo em casa, constroem altares onde colocam as coroas. No Corvo, os altares são constituídos por uma estrutura em forma de escada, coberta por uma toalha vermelha com uma toalha branca de renda sobre ela.
Durante as sete semanas do Pentecostes, as pessoas reúnem-se na casa da pessoa que recebe o Espírito Santo e rezam o terço junto desses altares.
As celebrações em honra do Divino terminavam com o
Domingo de Espírito Santo – sétimo domingo a contar da Páscoa. Mas tudo isso mudou por influência dos emigrantes que visitavam a sua terra natal nos meses de verão, passou a celebrar-se também uma Festa no mês de julho.
Léxico Corvino
O valiosíssimo tesouro linguístico dos Açores terá sido transferido para as Ilhas ao longo do século XV a bordo das naus que delas fizeram achamento e que transportavam marinheiros, navegantes e os seus futuros povoadores.
Com a emigração várias foram as palavras inseridas no léxico do Arquipélago, com destaque para a ilha do Corvo. A maioria dos ‘americanismos’ desapareceram com o tempo, embora muitos tenham sido aculturados, fazendo parte integrante da linguagem de todas as ilhas.
O fator autonomia, ou isolamento insular, tem sido fundamental no desenvolvimento das personalidades dialetais da região. Por muito que cada local esteja inserido numa coerência geográfica macro, a sua posição micro reside na ilha de que faz parte e é sempre a primeira identidade. Mais do que isso, o desenvolvimento mais ou menos autónomo que cada ilha tem confere um elevado grau de imprevisibilidade e desordenamento espacial aos padrões de variação da região.
Na linguagem do Corvo, e devido à pequena dimensão da ilha e da sua população, nota-se uma acentuada influência da antiga migração interna constituída por famílias micaelenses que se deslocaram para aquela ilha. Essa influência traduz-se na pronúncia do [u] ‘francês’, no ditongo [ou], igual a muitos lugares de S. Miguel, nunca ouvido como [oi], como acontece muito frequentemente nas restantes ilhas, e no próprio léxico em que há termos comuns apenas às duas ilhas.
- Dicionário de Falares dos Açores – Vocabulário Regional de Todas as Ilhas, J. M. Soares de Barcelos; Coimbra; Edições Almedina, Dicionários e Gramáticas; 2008. ISBN 9789724033761.
Matança do porco
“O Dia da Matança do Porco é, desde sempre, um dia de fartura, trabalho, alegria, amizade, convívio e partilha entre familiares e amigos. É um dia em que imperam valores de ajuda mútua e união familiar.
A Matança do Porco realiza-se nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro. No entanto, os preparativos iniciam-se algumas semanas antes, quando os homens se deslocam às hortas e vão buscar a lenha que, mais tarde, irá servir para fritar o porco, a queiró para o chamuscar e as folhas das canas que serão colocadas no chão de forma a receber a carne já cortada.
Nas vésperas do Dia da Matança, cabia às mulheres a maior parte das tarefas. […] eram também elas que picavam a salsa e a cebolas para as morcelas e preparavam as comidas que iam ser servidas aos convidados(…) Da ementa constava quase sempre a sopa de feijão ou de agrião, a linguiça frita acompanhada de batata-doce ou assada, a galinha guisada, a salada de atum, as filhoses, e claro, o sempre apreciado queijo do Corvo.”
No dia da Matança, os homens tiravam os porcos dos currais, transportavam-nos para a eira, onde eram mortos e chamuscado com a queiró. De seguida, as mulheres rapavam e lavavam o porco com raspadeiras de lâmina de aço muito fina. Terminada esta tarefa, os homens abriam e partiam os porcos, retiravam as tripas que eram colocadas em selhas de madeira.
Cabia às mulheres lavar as tripas junto ao mar. No regresso a casa as tripas eram lavadas com água, sabão, laranja azeda e folha de milho, até ficarem completamente limpas.
Procedia-se então ao fazer das morcelas e linguiças, por parte das mulheres, e ao arrumar das carnes pelos homens. No final, era servido um grande almoço para todos.
Nos dias seguintes era o tempo de cozer as morcelas, fritar o toucinho e as carnes, fazer o molho de fígado e a borrage (pasta feita à base de toucinho frito), pendurar as linguiças para o processo de cura.
- Pimentel, Fernando António Mendonça de Fraga. Corvo, a ilha dos afectos, Ed. do Autor, Coingra, 2019.
Lendas do Corvo
Retirado do livro: “Açores, Lendas e Outras Histórias”, recolha e arranjo de textos de Ângela Furtado-Brum, Ribeiro e Caravana Editores, 2ª Edição, Ponta Delgada,1999
A Estátua Equestre da Ilha do Marco ou do Corvo
“Já passava de meados do século quinze, quando os marinheiros portugueses, que iam rumo a ocidente à procura de mais terras, depararam, por fim, com um pequeno ilhéu negro, no mio do mar. Era a mais pequena ilha dos Açores que encontravam e, aproximando-se pelo lado noroeste, viram, inesperadamente, no cume de um penhasco, que parecia servir de marco aos navegantes, o vulto de um homem grande de pedra, montado num cavalo sem sela.
Era uma estátua profética, construída não se sabe por quem, e representava um homem, coberto com uma espécie de manto, com a cabeça descoberta. As faces do rosto e outras partes estavam sumidas, cavadas e quase gastas do muito tempo que ali tinha estado. Sobre as crinas do cavalo, que tinha uma perna dobrada e a outra levantada, estava colocada a mão esquerda do homem, enquanto que o braço direito estava estendido e com os dedos da mão encolhidos. Só o indicador continuava aberto e apontava para o poente ou noroeste, para as regiões onde o sol se oculta, a grande terra dos bacalhaus, as Índias de Castela ou o Brasil, terras que ainda não tinham sido descobertas.
A estátua assentava sobre uma laje também de pedra, na qual estavam escritas algumas palavras, que, embora muito gastas da antiguidade e do rocio do mar, ainda deixavam ler: “Jesus, avante!”. Era uma incitação aos descobridores portugueses para que avançassem e expandissem a fé cristã para o ocidente. Os nossos marinheiros seguiram o conselho, viajaram para ocidente e descobriram muitas terras onde semearam a fé em Jesus.
Hoje a estátua já não se encontra lá porque, no tempo de D. Manuel, veio do reino um homem, mandado pelo rei, para a apear e levar. Descuidando-se, a estátua quebrou-se em pedaços, dos quais alguns foram levados ao rei. Mas ainda, na parte noroeste da ilha, encontramos o promontório onde se levantou a estátua equestre e, ais abaixo, o marco que teu o primeiro nome à ilha – ilha do Marco.
A esta estátua se devem as descobertas para o ocidente, porque, com aquele dedo apontado, anunciou a existência de outros mundos e bastou que os navegadores compreendessem e interpretassem essa escultura em pedra para avançarem em direção às Américas.”
Corvino, Faquir e Pirata
“Por meados do século quinze, no pequeno aglomerado populacional da ilha do Corvo, havia uma mulher que tinha um filho bastardo. Já nessa altura, os corvinos, apesar da sua bondade natural, rejeitavam as mulheres que tinham filhos, sendo solteiras, pondo-as de lado ou obrigando-as a sair da ilha. Essa mulher era tida como bruxa e acreditava-se nos seus poderes maléficos.
O filho, Alípio, sofreu muito na infância e já quando rapazote com os vexames por que sua mãe passava.
Ora um certo dia, os piratas argelinos, em busca de gado e outros produtos, atacaram a ilha do Corvo e levaram o rapaz, que, querendo fugir à terra, não impôs resistência, antes se ofereceu aos invasores.
Depois de viajarem muito tempo, chegaram a Túnis, onde o jovem corvino foi oferecido a um faquir. De Alípio passou a Ali. Aprendeu todos os poderes dos faquires mais eminentes. Via fenómenos através de corpos opacos a léguas de distância; deixava-se cortar por alfanges e punhais, aparecendo rapidamente curado. Apesar de toda esta maravilhosa penetração de espírito, própria de um faquir, e de trazer bordado no peito um pentagrama, emblema da sua autoridade intelectual em magia, aborrecia a dura penitência e a pobreza que todo o faquir pratica para adquirir a santidade.
O jovem Ali cobiçava a riqueza e guardava na alma uma frase que sua mãe lhe dizia, há muitos anos atrás, na pobre casa, à beira-mar, naquela pequena ilha tão distante: “pobreza não é vileza, mas é um ramo de picardia”.
Quando atingiu a idade de homem feito, marcado pela ideia de riqueza e talvez pela ânsia íntima e quase inconsciente de voltar ao Corvo e se vingar, abandonou o sábio faquir com quem vivia e incorporou-se num bando de piratas, como comandante. Cantava, com um tom de fatalismo muçulmano:
Mandei ler a minha sina
E a sina me respondeu
Que um triste fugir não pode
À sorte que Deus lhe deu.
Saíram do porto marroquino de Larache em duas galeras, rumo às ilhas dos Açores e, porque o vento assim o permitiu e a manha e o poder do faquir assim quiseram, foram ter à ilha do Corvo.
Perante as negras penedias onde passara a sua infância, Ali experimentou uma grande confusão de sentimentos: a alegria de voltar a ver a terra perdida e o desejo de vingar sua mãe.
Mandou lançar ferro para os lados da baía da praia, onde não os podiam ver do povoado. Conhecia o lugar como a palma das suas mãos. Ali tinha brincado horas a fio, apanhando peixes, estrelas do mar ou nadando nos dias quentes de Verão. Lançaram ao mar uma lanchinha e vieram para terra.
Entretanto uma mulher, que estava a apanhar lapas na Ponta da Areia, quando viu aquela galera ali dentro, desconfiou que eram piratas. Na altura só se falava neles e nos estragos que faziam. Largou as lapas e, a correr, veio para as casas anunciar em altos gritos o que tinha visto. Os homens da terra alvoroçaram-se e foram para cima dos cabeços, situar-se em bom lugar, porque o terreno como era escarpado, os piratas só poderiam sair por um determinado sítio.
Quando os invasores vinham pelas rochas fora, decididos a roubar gado e quem sabe que outros prejuízos fazer, os homens da terra foram às ombreiras das paredes e começaram a rolar pedras com rapidez e força para cima dos piratas, que recuaram, dizendo:
-Se vamos para diante a gente morre.
Desistiram do seu intento, meteram-se no botezinho para ir para a galera, que estava ancorada mais fora. Mas, ou porque o mar mexia muito ou porque com a pressa a manobra foi mal feita, o barco quebrou.
A raiva cresceu entre os piratas, pois a nado nunca conseguiriam chegar ao navio e, ficando ali, seriam caçados pelos da terra. Desconfiados de que o comandante os tinha trazido para serem capturados pelos corvinos disseram:
-Tu és filho do Corvo, armaste-nos uma emboscada!
Sacaram as facas e cortaram-lhe o pescoço, ficando a cabeça caída na areia.
Os piratas conseguiram fugir, o corpo do comandante foi levado pelo mar. Mas a cabeça degolada ficou e os da terra, quando se aproximaram, reconheceram, por um sinal na cara, que se tratava de Alípio, há tanto tempo levado pelos piratas.
Enterraram a cabeça na areia, mas ela no dia seguinte apareceu desenterrada, ululando pelos rochedos. E assim foi durante muitos e muitos anos, até que por fim se aquietou para sempre a alma do infeliz corvino, feito faquir e depois pirata.”
A Ermida de Nossa Senhora dos Milagres
“Lá pelo século dezasseis, num dia de mar manso, andavam uns homens nos calhaus do Porto da Casa a apanhar peixe ou a procurar restos de madeira trazidos pelo mar. Inesperadamente deram com um pequeno caixote à beira de água, muito bem feito e que despertou logo muita curiosidade. Abriram-no com cuidado e tiveram uma grande alegria quando encontraram dentro uma pequena imagem de Nossa Senhora do Rosário.
A notícia correu pelo pequeno povoado e toda a gente se juntou para ver a Santinha. Alguém reparou que a imagem trazia um escrito que logo foi decifrado pelos poucos que sabiam ler. Dizia assim a inscrição: “No lugar onde eu sair, façam-me uma ermida.”
As pessoas ficaram muito animadas e, embora não tivessem muitas posses, decidiram que se haviam de juntar e construir uma ermidinha no Alto da Rocha.
Passado algum tempo, a notícia de que uma imagem da Senhora do Rosário tinha aparecido no Corvo espalhou-se pelos Açores e chegou a Lisboa. Daí veio alguém para levar a imagem. O povo do Corvo ficou revoltado por se quererem apossar do que era seu, mas não pôde fazer nada.
A imagem foi levada para qualquer tempo em Lisboa. Aí uma coisa estranha começou a acontecer: Nossa Senhora amanhecia todos os dias com o manto molhado, como se tivesse feito uma grande viagem por mar. E assim era. A Santinha aproveitava a noite para vir visitar a pequena ilha do Corvo onde queria estar.
Os padres de lá começaram a ficar perturbados com o acontecimento inexplicável. Até que um disse:
-Esta santa não se quer aqui. Ela, desde que cá chegou, o manto está sempre alagado. Isto é um sinal. Ela tem de ir para onde saiu.
Alguns concordaram e outros não, mas, passado algum tempo, durante o qual o estranho acontecimento se continuava a dar, mandaram a imagem de volta para o Corvo.
A alegria do povo foi grande quando recebeu a sua Santinha. Fizeram-lhe uma pequena ermida sobre a Rocha, sobranceira ao Porto da Casa, onde ela tinha aparecido e queria ter a sua morada. Dali passou a proteger os corvinos e a fazer muitos milagres pelo que a batizaram com o nome de Nossa Senhora dos Milagres.”
Nossa Senhora do Rosário e os piratas
“Estava-se no século dezasseis e a ilha do Corvo, embora quase toda rodeada coo um castelo por rochas muito altas, mas isolada e com pouca gente, estava totalmente À mercê dos piratas que por esse tempo frequentemente cruzavam os mares dos Açores.
A povoação e a ermida ficavam sobre a rocha junto ao mar, próximos de uma praia de calhau solto, a que chamavam de Porto da Casa, um dos lugares mais acessíveis aos piratas.
Uma certa vez, enquanto os homens tratavam das ovelhas e das terras e as mulheres fiavam a lã e faziam os arranjos da casa, um grande grupo de piratas aproximou-se do dito porto.
A gente do Corvo, apanhada de surpresa, julgou que o seu fim estava próximo, pois era pouca e não tinha armas para se defender.
Do mar começaram a vir muitos tiros e a ameaça dos piratas invadirem a ilha, roubarem e destruírem, se os corvinos não respondessem com força.
Vendo-se impotentes, enquanto lutavam de cima da Rocha contra os mouros, enviando tantas pedras quantas podiam, chamavam em seu auxílio Nossa Senhora do Rosário. Para o lugar da peleja o vigário tinha levado nos braços a sua pequena imagem que há tantos anos tinha dado à costa, em baixo, nos calhaus do Porto da Casa, e que tinha altar na ermidinha ali no Alto da Rocha.
A luta foi dura, mas os do Corvo desbarataram os piratas, venceram-nos, tomaram-lhes muitas armas, sem que nenhum perigo acontecesse ao povo da terra, conseguindo ainda cativar um mouro.
Esta vitória deveu-se a Nossa Senhora do Rosário, padroeira da gente do Corvo, que, lutando a seu lado, desviava todos os tiros mandados pelos piratas e devolvia-os, multiplicados, para os barcos dos mouros, conseguindo pô-los em desbarate.
Os piratas fugiram amedrontados e durante muito tempo não voltaram a atacar a mais pequena ilha dos Açores e diziam entre si:
-Não vamos ao Corvo que está lá uma Margarita que apara as balas. A gente envia um tiro, ela manda sete para bordo e mata sete de uma vez!
Essa Margarita era Nossa Senhora do Rosário que, por ter feito este e muitos outros milagres, passou a ser chamada de Nossa Senhora dos Milagres ficou a ser a Santa mais querida de todos os corvinos.
Hoje a pequena imagem já não está na ermidinha sobre a Rocha, mas num linda igreja, num lugar baixo, no meio das pequenas casas, numa ruinha estreita da pequena Vila do Corvo.”
Lenda dos mil habitantes
“A população do Corvo era sempre pouco comparada com a das restantes ilhas dos Açores, até porque era a ilha mais pequena e com um só aglomerado de pessoas, a Vila Nova do Corvo. Mas estava mesmo destinado que nunca havia de passar de mil habitantes.
Numa certa altura, o povo do Corvo tinha aumentado bastante e tinha chegado aos novecentos e noventa e nove. Todos estavam agoniados porque havia uma mulher que ia dar à luz e iam chegar aos mil habitantes, coisa que ninguém se lembrava de ter acontecido há muito tempo.
Chegado o tempo, aconteceu que a mulher, sem que ninguém estivesse à espera, deu à luz dois lindos gémeos, para alegria dos pais.
-Fulana teve dois gémeos! – disse alguém e as palavras passaram de boca em boca, até que todos no Corvo ficaram sabendo da novidade.
Alguns comentavam:
-O que será que vai acontecer agora que temos mil e um habitantes?
Mas nunca tinham afinal passado das mil pessoas porque, ainda antes do segundo gémeo nascer, tinha morrido um dos habitantes do Corvo, cumprindo-se assim o que estava destinado.
De então até hoje nunca mais os corvinos chegaram ao número fatídico e hoje essa ameaça está longe de pôr-se visto que a população não chega a quatrocentas pessoas.”
O Espírito Santo amansou o mar
“Antigamente o porto de serventia do Corvo era uma entrada natural, muito próxima dos moinhos, que depois foi melhorada e a que chamaram de Porto Novo. Por ali se fazia o embarque e desembarque de bens e mercadorias que entravam e saíam da pequena ilha, principalmente do gado que se exportava.
Uma certa vez, pelo Espírito Santo, tinham que ir levar uns bois para a festa na ilha das Flores. Apesar da época do ano, quase Verão porque Junho já ia adiantado, o tempo estava muito mau, principalmente à saída da barra, o que impedia os batelões a remos de saírem do Corvo. Era já vésperas do Espírito Santo e o tempo não melhorava. Os homens andavam por cima do cais, olhavam para o mar, miravam o céu a ver se vislumbravam ares de bom tempo, mas nada.
O mestre, que era um homem muito crente no Espírito Santo, a dada altura olhou para o mar e para o céu e, depois de pensar algum tempo, disse:
-Olha, eu sei com quem é que estou trabalhando…gado para o barco!…
Os outros acharam que ele estava doido em se querer arriscar tanto.
Um homem arriscou a dizer:
-Eh mestre, o tempo tá muito mau! é melhor não sair ainda!
Mas o mestre estava confiante no Espírito Santo e decidido a fazer a viagem. Com voz segura ordenou:
-Gado para dentro!
Mais por obrigação do que por vontade, carregaram o gado e o barco largou do cais entre choros e lamentos das mulheres e acenos de reprovação dos homens que achavam aquilo uma aventura louca. Assim que o barco com o gado para o Espírito Santo chegou à barra do Porto Novo, o mar amansou de repente e ficou como azeite. As pessoas estavam pasmadas, algumas benziam-se e diziam:
-Louvado seja o Senhor Espírito Santo!
A viagem até Ponta Delgada das Flores não podia ter sido melhor porque o Espírito Santo tinha amansado o mar para que a carne não faltasse para as esmolas do dia da Sua festa.”
A Furna dos Encantados e a sexta-feira de jejum
“Havia no Corvo uma furna muito grande que se estendia por debaixo do chão, no meio das terras onde, frequentemente, os homens passavam ou trabalhavam. Aquele boqueirão medonho, que tinha o nome de Furna dos Encantados, causava medo a muitas pessoas por acreditarem que era domínio de diabos.
Uma certa vez, já há muitos anos, estava um homem mais destemido sentado a descansar fora da furna, quando começou a ouvir uma conversa entre três demónios que estavam dentro do esconderijo. Um deles, muito contente, entre gargalhadas maldosas, dizia aos outros:
-Fulano não se escapa que eu já o tenho na mão.
-Aquele outro Fulano jejua três sextas-feiras do ano. Ele vai-se salvar, não tenho maneira de o apanhar! – resmungou um outro demónio, mal disposto.
-Que sextas-feiras são essas que são assim tão importantes para a salvação? – perguntou um terceiro.
O demónio que antes tinha falado começou a explicar:
-Uma é a primeira sexta-feira do mês. A outra é a sexta-feira do Divino Espírito Santo e a terceira é…
Nisto um dos demónios, farejando, interrompeu a fala do companheiro e disse:
-Anda gente por aqui!
O homem que estava cá fora sentado, muito calado, a escutar a conversa, ao ouvir isto, largou-se a fugir o mais depressa que pôde com medo que os demónios viessem atrás dele e o apanhassem. Correu por ali abaixo e só parou quando se apanhou em casa com a porta bem fechada. Ao verem-no tão aflito, perguntaram-lhe o que tinha acontecido e ele contou a conversa que tinha escutado entre os demónios.
Todos os habitantes do Corvo ficaram muito apreensivos porque queriam saber qual era a outra sexta-feira em que tinham de jejuar para se poderem salvar.
Como nunca mais tiveram maneira de saber, passou a ser hábito no Corvo, durante muitos anos, jejuar todas as sextas-feiras para que assim estivessem seguros de que se iam salvar e não iam cair no poder dos demónios.”
Apanha do Sargaço
O sargaço foi durante vários anos uma importante fonte de rendimento económico para a quase totalidade das famílias corvinas.
Durante o Verão, famílias inteiras dedicavam-se à apanha desta alga. As algas eram colocadas em redes feitas de cordas, içadas através de uma pequena grua para uma embarcação de apoio. Havia também quem arrancasse à mão o sargaço e guardasse em cestos, equilibrados em bóias.
Outro processo de colher as algas era feito, principalmente por crianças e mulheres, com um saco de serapilheira atado à cintura.
Depois o sargaço era disposto nas ruas mais próximas dos portos e nas eiras para secar, seguida de uma seleção das algas de melhor qualidade por ter um preço mais elevado. Quando secas as algas, eram vendidas a comerciantes locais, que por sua vez exportavam para a ilha de São Miguel.
Património Natural
Flora
Myosotis azorica
Planta herbácea pertencente à família Boraginaceae, endémica nos Açores, protegida pela Convenção de Berna e pela Diretiva Habitats. É uma das plantas endémicas mais raras dos Açores, apenas encontrada nas ilhas das Flores e Corvo, com uma flor de um intenso azul-marinho, conhecida popularmente como não-me-esqueças.
Em 2014 foi anunciada a descoberta de vários exemplares no Corvo, com uma população a rondar as 50 plantas com flor.
Azorina vidalii
A vidália (Azorina vidalii) é a única espécie do género Azorina, que é o único representante da família Campanulaceae entre a flora dos Açores. Apesar de esta espécie poder ser observada em todas as ilhas do arquipélago, o número de indivíduos desta espécie está em declínio e as populações apresentam-se bastante fragmentadas.
Embalada pelas ondas Atlânticas ao sabor da maresia, a Vidália (Azorina vidalii) vive arraigada nas arribas e escarpas rochosas da costa Açoriana.
Nos dias de hoje, para além das falésias costeiras e escarpas basálticas pode ser também encontrada em zonas mais urbanas, nomeadamente em habitats de substituição como telhados de casas ou muros de pedra. O seu aspeto frágil e delicado contrasta com as condições às quais resiste, exposta a ventos fortes, tempestades, altas concentrações salinas e parco substrato onde se agarrar. Floresce entre Abril e Setembro, e pode ser polinizada por abelhas (Apis mellifera), borboletas (Macroglossa stellatarum), mas também por outra ilustre habitante das ilhas, a lagartixa-da-Madeira (Teira dugesii).
Salgueiro
Árvores ou arbustos, com ramos geralmente flexíveis, que crescem junto à água. A terminologia “salgueiro” refere a planta espontânea. Necessita estar em locais úmidos e não resiste às temperaturas extremas. É uma árvore caducifólia que chega a atingir de 20 a 30 metros de altura.
A grande quantidade de salgueiros na ilha, introduzidos nos anos 60, deve-se à escassez de lenha e ao facto desta espécie vingar facilmente e produzir madeira que queima com facilidade.
Inhame
O inhame dos Açores (Colocasia esculenta), é uma cultura herbácea, perene, com um rizoma, muito cultivada na região, tanto em sequeiro como por alagamento. Tubérculo muito usado nos Açores como acompanhamento nas refeições
Relativamente à sua introdução nos Açores e na Madeira, esta terá acontecido nos séculos XV e XVI por altura do povoamento das ilhas. A presença de inhames na ilha é um indicador da ligação aos arquipélagos africanos de Cabo Verde e São Tomé e Princípe, de onde foram levados pelos portugueses para o Brasil. O facto de um dos capitães donatários ter sido também donatário de algumas ilhas de Cabo Verde, facilitaria a sua introdução.
Fazia parte da alimentação do povo que não tinha posses para comprar pão, que era coisa de gente abastada.
Cabaça
A cabaça é o fruto de uma planta chamada legenária, cultivada e tratada justamente porque se tornava um importante meio de transporte de líquidos.
As cabaças eram equipamento indispensável dos pastores e dos homens de lavoura que as usavam para levar água para o campo e para trazer o leite para casa (as mais pequenas), no que eram auxiliados por um sedenho, espécie de cinto feito com entrançados de rabada com que as atavam umas às outras, ou à cintura. As cabaças maiores eram o instrumento fundamental fazer a manteiga, agitando-se vigorosamente o leite no seu interior. Lavadas e limpas, secavam-se com o fumo da chaminé e rolhavam-se com pedaços de sabugo da maçaroca de milho. Diz, por isso, Luís da Silva Ribeiro que “era luxo ter as cabaças bem pretas e polidas. “
Trigo
Nos Açores, relatos entusiásticos do cronista Gaspar Frutuoso mostram como as ilhas se tornaram rapidamente no celeiro de Portugal. Deu-se uma rápida ocupação dos terrenos aráveis por este cereal, levando a que o trigo se impusesse até à segunda metade do XVIII como o principal produto de exportação do arquipélago.
No Corvo, os “(…) sítios de trigo com mais de um hectare estavam reduzidos a parte das terras baixas, pouco ultrapassando no conjunto os 18 hectares.
O trigo era semeado em março e estava pronto em julho. Na ceifa, faziam-se gabelas (um braço cheio de espigas), amarradas com espadana. Até haver espaço nas eiras para a debulha, as gabelas eram postas ao alto, com a rama para cima, em rolheiros, cobertas com as sacas de serapilheira que viam com o sal, para evitar que as pombas comessem o grão.”
Constata-se, para o século XX, o decréscimo da cultura do trigo e o incremento do milho.
- Amorim, Maria Norberta. Uma aldeia no oceano: As gentes do Corvo entre o século XVII e XX, Porto: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória 2018. 369 p. ISBN 978-989-8970-14-5.
Fauna
Angelito
Esta ave marinha, conhecida também como Melro-da-Baleia, tem como nome científico Oceanodroma castro. Tem uma plumagem preto-acastanhada e tem como característica específica uma cauda levemente bifurcada. Normalmente, pode atingir entre 19 a 21 centímetros de comprimento.
É uma ave oceânica que visita as suas colónias durante a noite, alimentando-se principalmente durante a noite, de pequenos peixes e crustáceos e, também, aproveita restos de outros predadores. Quanto à sua nidificação, é feita em buracos ou fendas de rochas, profundas, entre os meses de abril e janeiro.
A introdução de mamíferos pelos Portugueses a partir do século
XV e a exploração das aves para alimentação e extração de óleo
resultaram na diminuição drástica da população açoriana.
As aves marinhas ocorriam também em grande abundância, sendo os angelitos caçados por meio de armadilhas e outros processos rudimentares. Deles era extraído um óleo considerado tão bom como o azeite e eram aproveitadas a carne e as penas.
Vaca Anã
A raça anã de bovinos tem um valor particular porque poderá ser um testemunho de especiação e portanto de adaptação ao território, uma aventura partilhada com os seres humanos.
Da criação de gado bovino na Ilha do Corvo resultou uma raça autóctone – Vaquinha do Corvo, que se caracterizava pela sua reduzida dimensão e que foi extinta no início do século passado. Existe uma enorme polémica em redor desta raça, atribuindo alguns autores as suas características ao nanismo insular enquanto outros as relacionam com as carências alimentares decorrentes da constituição dos pastos.
Aves Marinhas dos Açores
São 10 as espécies que nidificam anualmente nas ilhas, entre elas a segunda maior população europeia de garajau-rosado (uma espécie com uma distribuição muito restrita na Europa) e a maior população de cagarra (75% da população mundial).
A posição geográfica do arquipélago, em pleno oceano Atlântico Norte, constitui ainda um importante ponto de passagem para várias espécies de aves marinhas migradoras.
Até ao momento, cerca de 62 espécies já foram avistadas, sendo provenientes, sobretudo, das regiões biogeográficas do Paleárctico e do Neárctico.
Património Paisagístico
Cara do Índio
Escarpa mais emblemática e famosa da ilha. Situa-se na zona oeste, uma das mais ventosas e em pleno Baldio. Para apreciar esta paisagem basta seguir o trilho PR01COR e poderá deparar-se com a inebriante “cara do índio” a observar o mar.
Esta rota linear une dois importantes geossítios, o Caldeirão e a Vila do Corvo, atravessando, de norte a sul, uma das ilhas do Arquipélago menos afetada pela ação antropogénica. Este trilho percorre também algumas zonas da Área Protegida para a Gestão de Habitats ou Espécies da Costa e Caldeirão do Corvo.
Ponta do Marco
Local indicado como sendo o sítio onde na altura da descoberta da ilha foi encontrado uma misteriosa estátua de um cavaleiro indicando o Ocidente.
Corresponde ao extremo noroeste da ilha do Corvo e constitui uma elevada falésia litoral truncada pela erosão marinha, exibindo uma sequência vulcano-estratigráfica complexa associada ao principal vulcão da ilha.
Fazem ainda parte deste geossítio os ilhéus do Marco e do Torrão, separados da ilha pela erosão. Facilmente observado a partir de um passeio de barco à volta da ilha, este é um geossítio prioritário do Geoparque Açores, com relevância regional e uso científico e geoturístico.
Caldeirão
O Caldeirão é o principal elemento paisagístico da ilha e resultou do colapso do vulcão central do Corvo. Esta caldeira vulcânica tem uma forma elíptica, com um diâmetro de aproximadamente 2,3 km e profundidade de 305 m. O seu interior é formado por duas lagos de reduzida profundidade e cones vulcânicos de pequena dimensão, que segundo a cultura açoriana representam as nove ilhas dos Açores.
A formação do Vulcão do Caldeirão ter-se-á iniciado há cerca de 1 a 1,5 milhões de anos, numa primeira fase com erupções, predominantemente, explosivas e, depois, com uma sucessão de escoadas lávicas basálticas.
O interior da caldeira é dominado por um sistema de zonas húmidas e por duas lagoas, alimentadas pela água das chuvas e pela água acumulada nos espessos tufos de musgão (turfeiras) existentes nas vertentes viradas a Norte. É de salientar que as maiores e mais antigas turfeiras do país estão presentes nas ilhas do Corvo e das Flores.
Terras de Cima
Terrenos utilizados como resultado do crescimento populacional, onde era produzida a junça (Cyperus esculentus).
Terras de Baixo
Localizadas na parte oeste da fajã lávica, são pequenas parcelas de terreno com muros de pedra a servir de separação e abrigo às culturas.
Nesta zona predominava a produção de cereais (trigo, e posteriormente milho), juntamente com a batata, o agrião, a abóbora, a cebola, entre outros.
Uma grande parte destes terrenos desapareceu com a construção da pista do aeroporto.
Hortas de Fruta
A ilha apresenta no geral vegetação rasteira, com exceção das “Hortas de Fruta”, na zona oriental da ilha, mais abrigada do vento e declive menor. Verifica-se a existência de um micro clima nesta região da ilha.
Predominam as laranjeiras, figueiras, macieiras, entre outras árvores de fruto.
Baldio
Na zona mais alta da ilha constituiu-se o Baldio, terreno de uso comum, onde as ovelhas pastavam e onde cresceram em número elevado assegurando a matéria prima para a roupa de cama e vestuário dos corvinos.
“O baldio proporcionava aos corvino múltiplos benefícios para uso quotidiano, nomeadamente, «os juncos, fetos, silvas e quaisquer outros espécies de mondas que n’ele se desenvolvam, e também os excrementos dos animais». As rochas adjacentes também eram consideradas baldio. Nelas criavam-se as cabras, mas acima de tudo aí se recolhia lenha para as populações, numa ilha em que a cobertura arbórea, devido à pressão demográfica, ficou confinada às falésias da ilha. Contudo, era expressamente proibido realizar fogueiras nesses locais, de modo a salvaguardar um bem tão precioso.
[…]
O baldio do Corvo mais do que um elemento produtivo, numa dimensão capitalista da exploração da terra, foi um meio de subsistência fruto de uma necessidade. (…) A fruição do baldio fazia-se através da extração de inertes, de cursos de água e recolha de cobertura arbórea, embora fique patente a importância que a criação de ovinos e suínos representava para uma comunidade isolada.”
- Soares, H. N. S.(2013), O baldio da ilha do Corvo e o seu Regulamento de 1896. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 22: 155-187.
Relheiras
As relheiras são sulcos paralelos deixados na pedra, no caso dos Açores, provocados pela passagem continuada de carros puxados por bois, que durante séculos foram o principal meio de transporte de pessoas e de carga no arquipélago.
As rodas dos carros de bois, normalmente envoltas em aros de ferro, deixaram marcas mais ou menos fundas, consoante a carga que transportavam, causadas pela quantidade de vezes que passaram no mesmo local, seguindo sempre o mesmo trajeto.
Em 2018 foram redescobertos no Corvo pequenos troços em caminhos a atalhos.
Património Histórico
Do Séc. XV ao Séc. XXI
1452 – No regresso de uma viagem para Ocidente, Diogo de Teive e Pedro Velasco encontram as ilhas de Corvo e Flores, então designadas por Ilhas Floreiras, ou ainda Ilha de Santa Iria e Ilha de São Tomás, formando o Grupo Ocidental do Arquipélago dos Açores.
1453 – D. Afonso V faz doação do Corvo a seu tio D. Afonso, duque de Bragança e Conde de Barcelos.
1475 – Carta régia sanciona a compra do Corvo e das Flores por Fernão Teles de Menezes.
1503 – D. Maria Vilhena, viúva de Fernão Teles, vende as duas ilhas a João da Fonseca, cujo filho Pedro da Fonseca, comandará uma leva de colonos com o intuito de povoar ambas as ilhas. No Corvo essa tentativa é levada a cabo, ainda que fracassada, pelo terceirense Antão Vaz que, durante alguns anos, conseguiu fixar uma pequena comunidade.
1537 – Corsários franceses atacam navios ancorados no Corvo.
1548 – As ilhas do Corvo e das Flores são entregues a Gonçalo de Sousa e Fonseca, responsável pela efetivação do povoamento da ilha do Corvo.
Este capitão, a quem pertencia também a donataria de Santo Antão, em Cabo Verde, recorre a uma solução que não estaria disponível aos seus antecessores – escravos oriundos daquele arquipélago. São estes, a quem se juntam filhos e netos dos primeiros povoadores da ilha das Flores que garantem o povoamento do Corvo. Conhecida pelos navegadores como a ilha do Marco, a sua posição geográfica entre o Novo e o Velho Mundo fez do Corvo um ponto de passagem das grandes rotas atlânticas e, como consequência, um alvo de ataques de piratas e corsários.
1587 – A ilha é saqueada por corsários ingleses liderados por Sir Francis Drake, que incendiaram o Porto das Casas.
1589 – Gaspar Frutuoso refere que a ilha era habitada por “vinte vizinhos, rendeiros e negros do senhorio” correspondendo a 80 a 100 pessoas.
1592 – Morre Gonçalo de Sousa e Fonseca, deixando vaga a donataria do Corvo e das Flores. A sua viúva retira da ilha os escravos que eram sua propriedade.
1593 – D. Francisco de Mascarenhas, Conde de Santa Cruz, passa a ser senhor das ilhas do Corvo e das Flores. Inicia-se uma terceira fase de povoamento com colonos vindos das Flores.
1632 – Dez naus de piratas provenientes do norte de África invadem o Corvo, mas são repelidos pelos locais que, tirando proveito da orografia da ilha e da posição vantajosa no alto da ravina, saem vitoriosos de uma batalha que durou cerca de 11 horas e foi avistada da vizinha ilha das Flores. O episódio foi registado pelo Padre Inácio Coelho, florentino que havia sido pároco no Corvo, e que terá ouvido o relato pelo pároco de então; com o intuito de alertar as autoridades para a bravura e resiliência do povo corvino, apesar do abandono a que sempre esteve sujeito, envia o seu registo para Lisboa para ser impresso e divulgado. Este ganhou contornos milagrosos, sendo a vitória atribuída à ação de Nossa Senhora dos Milagres, então designada Nossa Senhora do Rosário.
1654 – O Padre António Vieira, acompanhado por 4 carmelitas e 40 pessoas naufraga à vista do Corvo.
1695 – A atual igreja matriz fica concluída de forma a poder ser utilizada, ainda que a necessitar de continuas melhorias. Surge a primeira referência nas Visitas Pastorais a Nossa Senhora dos Milagres enquanto padroeira do Corvo e não Nossa Senhora do Rosário.
1770 – Começa a utilizar-se o anil para tingir as lãs, resultado de um naufrágio de uma nau espanhola carregada daquele corante. As suas propriedades são demonstradas pelos sobreviventes do naufrágio.
1795 – Igreja Matriz fica concluída.
1808 – Visita do governador civil no Corvo e nas Flores.
1818 – Os corvinos dirigem uma petição ao novo senhor da ilha, Pedro José Caupers, solicitando a redução dos impostos a que estavam sujeitos e que haviam sido instituídos pela família Mascarenhas (Condes de Santa Cruz).
1832 – Por interceção de Mouzinho da Silveira é reduzido para metade o imposto pago em trigo pelos corvinos e abolido o imposto pago em dinheiro. A 20 de junho, o Rei D. Pedro IV eleva a povoação do Corvo à categoria de vila e sede de concelho. É eleito o capitão Joaquim Pedro Coelho como 1º presidente da Câmara.
1833 – É criada a Ouvidoria Eclesiástica do Corvo.
1836 – Morre Joaquim Pedro Coelho. É a primeira pessoa a ser sepultada no cemitério.
1836 – Construção do primeiro chafariz da Vila, garantindo assim um acesso mais cómodo a água potável para uso doméstico. Este espaço tinha ainda tanques para lavar a roupa e um bebedouro para os animais.
1841 – É criada a comarca judicial de Corvo e Flores.
1845 – É criada a escola masculina.
1849 – Morre Mouzinho da Silveira, deixando no seu testamento o desejo de ser sepultado no Corvo, onde estaria rodeado de gente que soube ser agradecida.
1853 – A população corvina é liberta do imposto que havia ostracizado a comunidade durante mais de três séculos. Instituído pela família Mascarenhas, Condes de Santa Cruz, obrigava a um pagamento de 40 moios de trigo e 80 mil reis em lã, que só a ação de Mouzinho da Silveira 21 anos antes havia suavizado, ao conseguir reduzir para metade a contribuição em trigo e abolir o pagamento em lã. Notam-se, a partir deste momento, melhorias consideráveis na vida da população que passa a produzir apenas para a sua subsistência ; outras culturas vão ganhar expressão em detrimento do trigo, como o milho ou a batata, o rebanho de ovelhas é distribuído pela população e vão verificar-se as mais significativas alterações na casa corvina.
É nomeada uma comissão para dirigir as obras públicas de viação na ilha do Corvo, três anos antes havia sido criada a Repartição das Obras Públicas na ilha das Flores.
1864 – O arrolamento de 1864 diz ter o Corvo 1.095 habitantes.
1867 – Extinção do concelho do Corvo, que não se efetivou devido à queda do Ministério. Incêndio na Câmara Municipal resulta na perda dos livros das atas.
1871 – Criado um sistema para sinalizar e identificar as ovelhas cujo número havia aumentado para cerca de 1060.
1873 – Um grande temporal destruiu os portos do Corvo.
1874 – É criada a escola feminina do Corvo.
1880 – A Câmara deliberou a obrigatoriedade da participação no dia da lã de um homem de cada casa.
1882 – Pe. Manuel Leal Goulart, cura da Matriz de N. Sra. dos Milagres fundou a escola noturna de instrução elementar de lecionação gratuita.
1885 – Nasce no Corvo Manuel Carlos George Nascimento, que vem a tornar-se o coautor das letras chilenas, tendo editado Pablo Neruda e Gabriela Mistral, entre outros.
1886 – O Governador Civil da Horta em visita à ilha pergunta quais eram as necessidades da população, que lhe responderam “apenas uma bandeira nacional para saudar os navios que passavam”.
1890 – Constitui-se a Comissão de Melhoramentos por iniciativa de um grupo de corvinos que, liderados pelo padre José Gregório de Mendonça, financiam e levam a cabo inúmeras obras na Vila que permitiram melhorar as condições de vida da comunidade. Esta Comissão dissolve-se 2 anos depois mas, ainda assim, o Padre Gregório de Mendonça continua o seu trabalho, conseguindo garantir verbas para a construção de chafarizes e lavadouros na Vila.
1892 – Dissolve-se a Comissão de Melhoramentos, mas o padre Gregório de Mendonça continua o seu trabalho, tendo conseguido garantir verbas para as construções dos outros chafarizes e lavadouros da vila.
1893 – Celebrado contrato com a Empresa Insulana de Navegação que prevê a ida do vapor “Açôr” à ilha do Corvo, de três em três meses.
1896 – Visita do Príncipe Alberto I do Mónaco ao Corvo, em missão científica, a bordo do L’Hirondelle, onde realiza uma importante coleção de fotografias que se encontram no Museu Oceanográfico do Mónaco que a Câmara Municipal do Corvo adquiriu cópia em 2011.
1896 – Elaborado o primeiro Projeto de Regulamento do Baldio.
1912 – Jesuíno Augusto Carlos Flores, condutor de Obras Públicas, veio levantar a planta do cais do Porto da casa e em 1923 a planta do Porto Novo.
1924 – Visita do Raul Brandão ao Corvo
1932 – Incêndio na Igreja Matriz destrói uma parte significativa do arquivo paroquial.
1938 – Criada a Sociedade Filarmónica Lira Corvense.
1939 – Criado um Clube Recreativo e Instrutivo, com sede no edifício da antiga escola no lugar do Maroiço onde também funcionou um aparelho de rádio.
1942 – Naufraga a lancha “Francesa”, na costa Sul da ilha, que trazia florentinos para a festa de Nossa Senhora dos Milagres; morrem 16 pessoas.
Nesse mesmo ano chega ao Corvo o 1º recetor de rádio, oferta de um grupo de portuenses amigos dos Açores, cujo objetivo era o de diminuir o isolamento em que viviam os corvinos.
1950 – Após abaixo-assinado dirigido a Salazar pelos corvinos, o navio “Carvalho Araújo” passa a escalar o Corvo todos os meses.
1951 – O padre Leonete Vieira do Rego faz chegar à ilha a primeira camioneta, assim como um gerador para produção de eletricidade. É da sua responsabilidade ainda a montagem de uma debulhadora mecânica.
1963 – Fica concluído o projeto de eletrificação da Vila do Corvo, e é inaugurada a primeira central elétrica na Avenida Nova, onde hoje funciona a padaria.
1964 – Ano da Matriz Predial do edifício dos Paços do Concelho, David Santos era presidente. Até aqui a Câmara Municipal estava sediada no Largo do Outeiro.
1965 – Construção do primeiro molhe do Porto da Casa.
1966 – É instalado o primeiro reservatório de água, garantindo-se o fornecimento de água canalizada às habitações.
1969 – Tem lugar o último Dia da Lã, no mês de maio, símbolo do comunitarismo que caraterizou a sociedade corvina durante mais de 400 anos. Era o dia da tosquia, festivo, apesar de todo o trabalho que implicava. Os anciãos planeavam os trabalhos e o dia começava com a formação das «esquadras» de homens que iam arrebanhar as ovelhas do Baldio até ao curral do Lagos, onde eram tosquiadas. Toda a comunidade participava. Em setembro fazia-se outro dia da lã, para marcar as fêmeas que estariam grávidas, de modo a melhor identificar as crias e respetivas mães. O número de ovelhas caiu drasticamente quando a gestão do Baldio foi entregue aos Serviços Florestais no ano seguinte, regressando às mãos dos corvinos em 1975, após uma guerra acesa entre os agricultores e aqueles Serviços.
1976 – Primeiras eleições, livres e democrática, para a Câmara Municipal e Assembleia Municipal.
1977 – Têm início as obras para construção da pista de aviação.
São aprovados, pelo Governo Regional dos Açores, os estatutos do Baldio.
1977 (21 de junho) – A LDG 202 ALABARDA da Marinha encosta no Porto da Casa para desembarque de maquinaria e militares do Exército para construção do Aeródromo.
1979 (19 de junho) – 2 helicópteros SA330 PUMA da FAP aterram pela primeira vez no Corvo. Trazem militares (altas patentes) para verem o decorrer das obras em curso na pista de aviação.
Dá-se a última colheita de trigo na ilha.
1983 (25 de setembro) – Primeiro avião a aterrar na pista de aviação do Corvo, um Aviocar CASA 212 da FAP para realização de testes de aterragem e descolagem.
1983 (28 de setembro) – Inauguração do aeroporto do Corvo pelo Presidente da República, o General Ramalho Eanes, que inaugura também a rede telefónica automática da estação dos CTT.
1995 – Asfaltagem da estrada para o Caldeirão.
1997 – O núcleo urbano antigo de Vila do Corvo é classificado como conjunto de interesse público.
1998 – Inaugurado o novo edifício da atual Escola Básica e Secundária Mouzinho da Silveira.
2007 – A ilha do Corvo é classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera.
2014 – Criação do Ecomuseu do Corvo.
2019 – É inaugurada a Casa do Tempo, primeiro polo do Ecomuseu do Corvo.